Krizanac perdeu partes dos braços e das pernas aos 12 anos, depois que uma infecção mal tratada levou a um quadro de sepse e complicações graves que exigiram amputação. No final do ano ado, quase 17 anos depois, ele recebeu um transplante duplo de mãos no Penn Medicine, na Filadélfia, nos Estados Unidos.

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Transplantes de mão são raros: apenas 148 haviam sido realizados em todo o mundo até meados de 2023, segundo um estudo, e nem todos eram transplantes duplos.

Mais de 20 pessoas participaram da cirurgia de Krizanac, que durou cerca de 12 horas e foi precedida por anos de preparo.

Enquanto a anestesia ainda fazia efeito, Krizanac se virou para uma das enfermeiras ao seu lado e disse: “Veja como minhas mãos são lindas”.

Ele não se lembra desse momento – que depois foi contado pela enfermeira – mas o sentimento profundo permanece. “Não digo isso apenas no sentido estético, mas é uma sensação profunda de me sentir inteiro novamente como ser humano”, conta.

Um desejo de independência

Para Krizanac, viver sem mãos era mais desafiador do que viver sem pernas. As mãos são necessárias para milhares de atividades cotidianas essenciais, e as próteses que ele usava simplesmente não supriam suas necessidades tão bem quanto as próteses das pernas.

“Não acho que a pergunta seja ‘O que você não consegue fazer?’. É ‘Como você consegue viver?’”, afirmou. “Com as pernas, você anda. Com as mãos, você faz milhares de coisas – comer, se cuidar, cozinhar, se expressar. Tentar compensar a falta dos braços com uma mão robótica de plástico é simplesmente impossível.”

A infância que ele conhecia deixou de existir, e ele se viu diante da perda da independência, ando a depender fortemente do apoio de familiares e amigos amorosos.

“À medida que você cresce, quer mais independência. Naturalmente, como seres humanos, devemos ser independentes quando nos tornamos adultos”, afirma Krizanac. “Eu não consegui alcançar isso por não ter mãos funcionais. Então, essa necessidade aumentou, com certeza, ao longo do tempo.”

Fazendo conexões

Krizanac estava determinado a não deixar sua deficiência defini-lo e manteve uma visão positiva ao tentar viver no presente, mas ele e sua família continuaram a buscar formas de melhorar sua qualidade de vida.

Eles perseguiram o transplante de mãos durante anos, mas inúmeros obstáculos – incluindo cobertura de seguro e falta de o a profissionais qualificados – atrasaram o progresso.

“Eu sabia que a solução para o meu problema existia, e a questão era como chegar até ela”, diz Krizanac.

Em 2018, cerca de uma década após ter perdido as mãos, uma série de conexões fortuitas levou Krizanac de sua casa na Suíça ao consultório do Dr. L. Scott Levin, na Filadélfia.

Levin, presidente emérito do Departamento de Cirurgia Ortopédica e professor de cirurgia plástica no Penn Medicine, ficou imediatamente impressionado com a postura de Krizanac, e ele rapidamente conquistou a equipe inteira.

“Por uma série de razões, ele era um candidato excepcional ao transplante de mãos”, conta Levin. “Ele preenchia todos os requisitos: inteligente, bem informado, com um apoio familiar incrível.”

Mas outro conjunto de desafios – incluindo a pandemia global e feridas nas pernas de Krizanac – atrasaram ainda mais o processo.

“Durante a pandemia, tivemos que colocar tudo em espera”, diz Levin. “E, pelo fato de ele ter feridas abertas e rompimento da pele [nas pernas], jamais teria sido autorizado a fazer o transplante de mãos, porque as feridas abertas e o risco de infecção teriam nos impedido de prosseguir.”

Mas Levin e um colega voaram até a Suíça para tratar as pernas dele, mergulhando nos preparativos para o transplante de mãos assim que voltaram à Filadélfia, enquanto Krizanac se recuperava.

Preparar um transplante duplo de mãos geralmente leva cerca de dois anos, caso não haja outras complicações. Mas, no final de 2024, Levin e sua equipe estavam prontos. Eles haviam feito mais de uma dúzia de ensaios, mapeando os os intrincados necessários para unir nervos, músculos, vasos sanguíneos e ossos.

Krizanac se mudou para a Filadélfia e fez o possível para aproveitar a estadia enquanto aguardava ansiosamente por novidades.

A ligação veio numa tarde chuvosa de domingo, cerca de dois meses depois: havia um doador compatível. O programa de doação de órgãos Gift of Life havia encontrado mãos de um doador com o tom de pele, o tamanho e o gênero certos – um conjunto de fatores que tornam o processo de combinação mais complexo do que em outros tipos de transplante.

Em questão de minutos, Krizanac estava fazendo as malas e indo para o hospital, e, em menos de uma hora, já estava no quarto.

“Quando você decide que algo é certo para você ao longo dos anos e está determinado a trabalhar por esse objetivo, uma vez que recebe o sinal verde, não há hesitação”, diz Krizanac. “Não tive nenhuma dúvida quanto ao procedimento. Eu estava totalmente confiante de que, após 17 anos, sabia o que era melhor para mim.”

Uma equipe bem orquestrada – incluindo especialistas em cirurgia plástica, ortopedia, transplantes, anestesia e enfermagem – trabalhou simultaneamente em Krizanac e no doador.

Depois que os vasos sanguíneos foram suturados, a circulação foi monitorada com diversos dispositivos. Os nervos levam tempo para se regenerar, então era impossível saber, ainda na sala de cirurgia, se essa parte da operação havia sido bem-sucedida.

“Contamos com a regeneração dos nervos, mas isso não é garantido. Tudo o que podemos fazer é a melhor coaptação técnica, a melhor reparação nervosa possível no dia da cirurgia, com precisão extrema, usando o microscópio cirúrgico”, afirma Levin. “Com um pouco de sorte, digamos assim, e com planejamento e execução cuidadosos da operação, os nervos do doador crescerão dentro dos músculos.”

Qualidade de vida é essencial

Hoje, Krizanac está se recuperando excepcionalmente bem, segundo Levin. Os nervos continuarão a crescer pelos braços dele, e a recuperação vai continuar evoluindo nos próximos anos.

“A sensação, a capacidade de sentir, melhora. A força aumenta. Ele começa a recuperar os músculos finos das mãos”, diz Levin. “Ele está indo muito bem. De todos os pacientes transplantados que vimos, a recuperação neural dele foi a mais acelerada.”

Além de três a quatro sessões de fisioterapia por semana, Krizanac está tomando alguns medicamentos para evitar que o corpo rejeite as mãos – um regime semelhante ao de quem a por um transplante de rim. Um desses medicamentos, um inibidor de calcineurina chamado tacrolimo, também demonstrou ajudar na regeneração dos nervos.

Krizanac sente que também está no caminho para recuperar sua independência. Cerca de um mês após a cirurgia, já usava o celular com as novas mãos. E, ao lavar as mãos alguns meses depois, levou um susto ao sentir a água fria.

“Reagi instintivamente e puxei a mão da água fria. E esse foi um momento de revelação em que pensei: ‘Meu Deus, estou sentindo a temperatura da água’”, contou.

O transplante de mãos é considerado um procedimento eletivo de “qualidade de vida”, mas Levin diz que o campo médico tem a obrigação de oferecer o mesmo nível de cuidado e consideração para pacientes como Krizanac que oferece a quem precisa, por exemplo, de um transplante de fígado – desde que o paciente esteja devidamente preparado e informado.

“Esse é um campo da transplantação que precisa continuar sendo apoiado. Nossa pesquisa, nosso cuidado clínico, nossa formação”, afirmou. “Se esse campo for prejudicado pela impossibilidade de os seguros cobrirem o procedimento ou por outras agências que se recusam a aceitá-lo – para pacientes específicos –, isso seria um verdadeiro crime.”

Krizanac tem objetivos ambiciosos que começam a parecer mais concretos, como, quem sabe, conseguir uma carteira de motorista. Mas, no fundo, ele só quer ser um cara comum.

“Mesmo com todo o processo de recuperação, mesmo sendo uma cirurgia e uma reabilitação altamente complexas, essas são duas mãos saudáveis, e é só uma questão de tempo e dedicação até que tudo volte”, diz.

Por ora, pequenas coisas lhe trazem grande alegria. Ele gravou o vídeo de si mesmo preparando espresso porque está se aperfeiçoando como barista amador – um hobby que não teria como cultivar sem o transplante de mãos.

“Sou mais do tipo cappuccino, mas ele pode fazer espresso para mim quando quiser”, diz Levin.

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